domingo, 30 de novembro de 2008

Citando # 195 - Vergílio Ferreira


Senta-te diante da folha de papel e escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar, mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de contensão beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é orar sem um deus para a oração. Porque o poder da divindade não passa apenas pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de não saberes. E já houve resposta bastante.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sem título



no arrepio da mão
acendem-se as palavras
clareia.

Lisboa, 20 de Novembro de 2008


quarta-feira, 26 de novembro de 2008




a cicatriz como raiz. o vento como livro. a terra como olhar. a montanha irrompendo planícies.

depurado o som do cello.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Rew


Quando de novo passares por aí
olha a casa, o alpendre
a sombra da mansarda
no branco da parede
e se ao longe ouvires
o mar
saberás que te falo desse tempo
das noites quentes
enluaradas
e dos morcegos saindo da madeira
de algumas traves
das tardes de leitura
e do cesto de verga
onde abundavam os pêros
bravo esmolfe
e assim saberás
que era Setembro
que éramos jovens
e que a praia tinha o sabor
a sal, a lapas, a percebes
aos dias sem horas
ao tempo sem pressas
às sombras que cada um
projectava no outro
como duas folhas de um livro
aberto numa aventura que não acaba.


Dos sinais da memória
ecoam as cantigas de roda
e o riscar das esferas dos patins
que se perderam.

Lisboa, 22 de Novembro de 2008


sábado, 22 de novembro de 2008

Citando # 194


Ter uma ideia, um pensamento sobre o que nos aflige é estar longe dele. Sofrer é não pensar ainda, para fora do sentir as coisas num baque na alma. Mas pensar é ao menos ainda viver ao pé do que nos comove. Não me é fácil pensar hoje seja sobre o que for. Como água por borracha, as coisas passam por mim e deixam-me intacto. Que significa no fim da vida o que problematizámos na plenitude? O que ficou foi apenas um difuso sentir com um grande encolher de ombros no meio e um manguito na consciência.


Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 1



quinta-feira, 20 de novembro de 2008


*


regresso ao infinito dos sentires onde se escondem as promessas e as vontades. locais de iniciação onde se viciam as certezas. fugazes momentos de anseios projectando as sombras que convocam os elementos. uma voz de criança corta, como lâmina, o desgastado ruminar dos dias e o sol é um projecto que, quando quer, se cumpre. assim se tece o fio dos dias nos dramas que talvez sejam apenas e, tão só, sinais de outros prenúncios.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sem título


nos labirintos da solidão
escondem-se máscaras

desencontradas vivências!

HFM - Lisboa, 19 de Outubro de 2008



segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sem título


no gesto do traço
a palavra única


caligrafia de sons!

HFM - Lisboa, 9 de Outubro de 2008



sábado, 15 de novembro de 2008

Primeiro parágrafo




do livro Citrons Acides* de Lawrence Durrell que comecei agora a ler:



Comme le génie, les voyages sont un don des dieux. Mille circonstances diverses les préparent en secret, et quoi que l'on en pense, il est rare qu'ils soient entièrement le fait de notre volonté. Ils surgissent spontanément des plus profondes exigences de notre nature - et les plus profitables ne nous conduisent pas seulement à découvir de nouveaux lieux, mais aussi de nouvelles richesses intérieures. Le voyage peut être unes des formes les plus bénéfiques de l'introspection...




*Editions Buchet/Chastel, Paris, 1961 (livro comprado por 1 euro numa feita em Aix-les-Bains)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Da vida e do deserto



Quando das cisternas desapareceu a água
estreitaram-se nos círculos os medos
esmaecendo na miragem as dunas


refulgiu, então, o sorriso das paixões
no silêncio da noite berbére.



HFM - Lisboa, 20 de Outubro de 2008


terça-feira, 11 de novembro de 2008





as letras baralham o suor dos dedos e perguntam, incautas, pelos significados; bem lhes explico que o contexto os define. não acreditam, explodem e, numa sinfonia de cor, recriam-se, aumentam-se, destróiem-se.

como uma manhã a renascer revestem-se de aparências - retratos de estranhas memórias.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Sem título

Abre-se o sol na manhã
como um maestro
orquestrando o mar.

HFM - Ericeira, 24 de Setembro de 2008

sábado, 8 de novembro de 2008

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Outonal



era uma manhã de sol
igual a outras
monótona na aparência
da simetria dos traços
o olhar intensificava
as cores nos dedos
o verde diluía-se em amarelos
e a luz de outono
cerrava os olhos
numa contínua afirmação.
os gatos indiferentes
ensonavam-se em poses
quase estáticas
e dos ruídos só a cidade
enrolando-se na terra.

são breves momentos únicos
quase inúteis
ferrando nos dias
a doce textura dos marmelos.


HFM - Lisboa, 24 de Outubro de 2008




quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O velho


Lentamente levantou os olhos
deparou-se com o caos
sorriu ao vento.



HFM - Lisboa, 25 de Outubro de 2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Anoitecidos


Tomei a mão da noite no rigor da espera. A simetria do silêncio invadia o lugar e a estranheza das memórias acorria ao surreal. As linhas afastavam o norte e perseguiam as certezas. A respiração hipnotizava os minutos e o ar rarefazia o tédio.

Rasgar a noite. Rasgar o olhar. Rasgar o traço na palavra desconhecida. Rasgar o trânsito enviesado da conjugação das horas.

Convergir para o ângulo subtil da noite onde se escondem os fantasmas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Continuando



*



Este novo blog é apenas a continuação da Linha de Cabotagem que começou em 2002 ou 2003 (já não me consigo recordar) noutro servidor e assinado pela Sara Xavier, nome que resolvi dar-me para iniciar as minhas lides blogueiras e que continuou na Linha de Cabotagem que já deveria ter-se chamado Linha de Cabotagem II, aí já com o meu nome.

No presente blog não há alterações nem de pessoa, nem de rumo, nem de barco, nem de cabotagens, apenas se refrescou um pouco a imagem... uma pinturazinha porque o mar desgasta bastante ;)!

Sejam bem vindos!

Aos que há muito navegam por estas águas, agradecia que tomassem nota do actual endereço onde apenas foi apagado o "de".

Um abraço para todos.





* Desenho de Gerard Richter

sábado, 1 de novembro de 2008

Experiência

Em trabalhos.

(Em breve neste blogue próximo de si!)