quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Como que uma ausência




Quando o cansaço não tem fendas e apenas cerra a cor e o som, há, em mim, um limite mínimo de aceitação, uma revolta cava, um grito já sem fôlego. Os braços pesam e pendem e o corpo não acompanha a vontade que parece ainda estar formatada a outro tempo.

Por entre a chuva brilhou agora um raio de sol. Posso acreditar nele? Creio bem que não.

HFM - Lisboa, 24 de Outubro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

 
 


Quando o sol é pedrada num charco sem luz, o outono clareia mais cedo e as nuvens entontecem, na marina, os veleiros. Os verdes, quase castanhos, contemplam à sua volta, no espelho de água, a cor esmaecida onde se reflectem. Só o mar teima em guardar o azul ultramarino - mais cerrado, é certo - mas sempre impondo-se e afastando qualquer toque de cinzento. Ali reina ele. Pode adaptar-se, vestir-se de alguas roupagens novas, oferecer uma sensação de calmaria mas, sempre, inabalavelmente, é ele que dita as suas leis. De calmo e turquesa, rápido se torna indigo e as ondas avançam para lá das rochas na direcção do aparente sossego em que as gentes habitam. Então, estonteadas, as gentes apercebem-se da sua vontade, de que a sua lei é a mais forte e avassaladora. Que a grandeza não se esgota no dia-a-dia - é eterna.

Com o mar me quero, nele me cumpro, com ele aprendo. Encosto a mim as suas forças e prometo-me que não adiarei mais aquilo que sou e me quero.

Nesta ilha de lava, de mar, de vento e de uma força renovada que, há bem poucos anos, em termos de natureza, a alargou, eu encontro a força e a determinação inabalável de me cumprir com as minhas leis, a minha educação e a razoabilidade inteligente de saber que a minha liberdade termina onde começa a dos outros. O contrário também.

HFM - texto e aguarela, Setembro de 2012

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

 
 
 

da net



Um dia os deuses contarão
do sonho a lenda
e no azul cerúleo de um céu real
os homens estáticos já não perceberão
dos códigos os significados
perder-se-ão nos caminhos
não reconhecerão os labirintos


quando exangues olharem para a frente
a estrada diluir-se-á em fumo.

HFM - 6 de Outº de 2012
 
 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Para o meu pai, no seu dia

 
 
HFM
 
 
 
Aproveito o silêncio que ainda ecoa em mim. O silêncio - um estado interior em que, por vezes, me sentia reconfortada, como se tudo fizesse sentido. E não fazia.
 
Uma semana volvida sobre o retorno das ilhas o eco está cá dentro. Impeço-lhe a actuação. Tenho medo que se esgote e preciso desta provisão de silêncio. De um bem estar que nada tem a ver com o mundo exterior apenas com esses dias vividos num meio diferente, com tempo, com calma onde duas forças se completam e me unificam - o mar, os verdes.
 
Nesse eco estão esculpidas todas as histórias que ainda não me contei. Nesse eco vive a harmonia. Nesse eco transparece um mar, mutante na cor, perene na força e beleza. Nesse eco sinto a força telúrica de uma ilha que não acompanha o tempo da cidade que habito e pela positiva. Nesse eco confundem-se imagens e vida. Nesse eco há ainda e não é displicente a amálgama dos dias de férias, despreocupadas e bem aproveitadas. Nesse eco ressoa ainda o medo quando o vento e a chuva da "Nadine" me pregaram um grande susto. Esse eco plasma-se nos desenhos dos diários gráficos para onde tentei passar olhares, visões, fantasmas, fantasias e toda a panóplia de registos que ocuparam os meus dias.
 
Trago nos olhos o cheiro das ilhas que invento, no olfato, que não tenho, a visão que cravei em mim, no gosto o gesto táctil dos desenhos que fiz e no tacto o gosto da pimenta da terra que me ensaliva o coração.
 
Até breve ilhas que se perderam no meu imaginário e no meu contentamento!
 
Lisboa, 1 de Outubro de 2012